ESCOTILHA
- Olho pela escotilha do celular e vejo que estou a mais de 3000 mortos de profundidade.
Há muito tempo já não tenho certeza de que a capsula de clausura que me rodea é segura. Não posso afirmar que essa pressão não me afete. Posso estar simplesmente, já intoxicado pela loucura e tendo como manifestação a alucinação de que estou bem.
Estou bem?
- Olho pela escotilha do pc e vejo conhecidos sendo apanhados pelo demônio invisível.
Cada vez mais conhecidos, mais próximos.
Me lembro de aviso que vi num livro: “A maior artimanha do diabo é convencer as pessoas de que ele não existe.”
Pessoas em festas, na praia, de mascaras no que queixo negando a realidade.
Do diabo a jogada de mestre nunca foi tão acertada.
“Isso é politicagem... será que está morrendo isso tudo mesmo?..."
"Tem prefeito dizendo que morreu mais gente pra receber verba extra do governo...”
E o diabo faz as contas direitinho, não mata a todos que afeta, faz dos descrentes assintomáticos um caminho, um atalho, um túnel e pega assim até aquele mais precavido na fresta de um mínimo vacilo.
- Olho pela escotilha do presente e vejo, aqueles que não posso abraçar e beijar por agora e o pior é não saber até quando e se quando.
Medo que o diabo os leve ou me leve.
Gente minha que a situação não dá outra alternativa que não seja sair no breu dessa meia noite eterna com um trapo amarrado na cara e um pote improvisado de álcool-gel na bolsa para honrar as contas do fim do mês.
- Olho com meu olho cético e marejado pela escotilha da história e vejo sem acreditar. Que fizemos para merecer esse lugar? A pior situação possível com a pior pessoa possível no controle dos nossos destinos.
Me olho pela escotilha do espelho e vejo, a cada tossida sem sentido um desespero. Espero que seja só o excesso de cigarro. Um velho na fila do benefício tosse continuamente, quando arruma um breve espaço para respirar é providente e anuncia: “Enfisema pulmonar, minha filha.”
A senhora um pouco mais atrás comemora fazendo o sinal da cruz. “Graças a deus.”
FBarella