23/01/2021 às 14:21

Flora Brava

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10min de leitura

Revisão Estela D.

Capa por Fabiano Carriero 

http://carrieroart.blogspot.com/

Na mesa do almoço o pai dava as orientações e avisava sobre a mudança de plano, acharam por bem ele com os sócios que ao invés de cumprir o estágio em seu próprio escritório, sua experiência seria mais proveitosa na tutela da colega doutora Fúlvia Braga.Stella acha graça desse nome, mas o riso interno durava pouco, logo a imagem daquela mulher vinha-lhe à mente e um misto de fascínio e medo inundando sua jovem cabeça.  

Doutora Fúlvia era um ícone na cidade, na prática do direto, era temida por conta seu ímpeto e agressividade, não perdia uma, era pelas mulheres; nas separações depenava maridos à revelia; mesmo cercada de machos, advogados ultraconservadores, cônjuges agressivos e juízes arrogantes, brilhava com uma retórica impecável e direção cirúrgica dos argumentos legais.  

O pai de Stella assim como outros entusiastas do direito na cidade, adorava contar os causos e casos à mesa. Falava de colegas que por causa da tal doutora largaram o ramo. Teve até, contava ele com brilho na fala, um juiz, doutor Messias Bastos que pediu transferência depois de uma invertida vexatória em uma audiência de conciliação. “Deu até no jornal da época! ” Bradava empolgado o pai, sob o discreto olhar irritado da esposa.

- Mas pode ser pai? Sendo ela minha professora?

- Pode sim Stellinha, a assistente dela está em Minas com a mãe muito doente. Ela comentou com o Abadias no fórum que precisaria de alguém para substitui-la por agora. “Abadi” falou de você na hora. Sendo minha filha ela já gostou.  

A mãe bufou encaminhando a louça com a filha quase deitando ao chão um copo enquanto o esposo terminava o cafezinho.  

- Trinta dias com ela vão te dar muito mais que seis meses lá em nosso escritório.

Na faculdade Stella achou por bem não comentar sobre a oportunidade para não gerar comentários. Mesmo estando na reta final do curso, “fácil fácil “ os colegas poderiam maldar.

No próximo dia de aula ficou na expectativa da polêmica e respeitada professora fazer alguma inferência e revelar sobre o pequeno período de estágio.  Mas nada aconteceu, entrou como sempre na sala, com seu andar duro, sua estatura superior reforçada pelos saltos, taiêr perfeitamente amoldado ao corpo e o cabelo preso em coque no alto da cabeça.

Tinha presença, inspirava as meninas e atemorizava os rapazes. Era uma época que a moda entre os meninos era deixar a barba, e quando algum deles atrapalhava o andamento do curso era chicoteado pela mestra doutora, com energia, mas sempre amortecida com um pouco de humor ácido.

- Senhor Luiz, faça com a sua compostura o mesmo que está fazendo com sua barba. Tente ter.

Disparou certa vez a um colega sentado ne mesa e com os pés na cadeira, de costas para a porta quando não viu a professora entrar.Na manhã da segunda feira combinada o pai procura uma vaga na Rua do Ouvidor, 45.

- É ali Stelinha.

Da calçada o que se via era um muro bege, alto que do topo transbordava debruçada uma densa vegetação escura salpicada por uma florada azul. No meio, um grande portão de madeira preto.  O pai desce junto para fazer a apresentação oficial e agradecer pessoalmente pela oportunidade dada a filha.

Por conta de uma alça frouxa do calçado pediu-lhe o braço para ter equilíbrio e corrigir o problema. Sanada seguiram de braços dados em marcha pela calçada coberta pelas flores sob a sombra da relva no muro.

 - A Dra pede desculpas senhor Roberto, mas está em vídeo conferência por conta de um assunto imprevisto, disse que depois fala com o senhor no Café Regina, como de costume.

O homem negro alto com tom solene, mas amistoso esclareceu e tratou de encaminha-la propriedade a dentro. No começo especulou que podia ser o marido da doutora, possivelmente secreto uma vez que na cidade nunca foi vista com um companheiro  em qualquer lugar que fosse.  

Dentro da casa percebeu que não, uma vez que o homem, embora exercesse uma posição de liderança, era também um funcionário a julgar pelo tratamento com outros que ali estavam. O mesmo, sempre sorrindo, levou-a até uma porta grande de duas folhas e abrindo uma delas convidou-a a entrar.

A doutora estava sentada a mesa em silêncio com o olhar parado.

Stella, que era dessas pessoas tímidas que disparam rápido para quebrar o gelo, fez menção de se apresentar e foi prontamente interrompida por três gestos com o dedo longo adornado por anéis dourados e unha perolizada. O primeiro pediu silêncio, cruzando os lábios com sorriso de cumplicidade, o segundo justificou mostrando o fone de ouvido o terceiro apontou a grande sofá preto a sua esquerda.

Stella tratou de seguir a orientação silenciosa. Sentou-se no sofá com as pernas juntas. Dispersava o olhar analisando o ambiente que tinha a parede que dava pra fora toda de vidro. La se via um jardim emparedado pelo muro tomado pela trepadeira escura que se via da rua. Na realidade toda falsa distração era uma desculpa para entre uma coisa e outra observar a tal mitológica figura que sempre parecia olha-la fixamente no ventre enquanto prestava grande atenção no seu interlocutor ao fone. Não fosse o álibi da distração sonora que transformava o olhar direto e indiscreto em disperso, teria a jovem ruborizado as faces.

Depois de um hiato sem responder nada a portentosa senhora esboçou um sorriso ainda com os olhos no mesmo lugar, mudou o foco para os olhos de Stella e avisou. “Caiu.”

- Agora? Deve ser a internet. Em casa cai direto. Respondeu correndo.

- Tem mais de um minuto que caiu.

- ...

- Stella Feraz.  (Olhando a anotação) Minha aluna do quarto ano. Filha do meu querido amigo doutor Roberto. Sua mãe como está?- Bem, obrigada. Queria agradecer pela...

- Favor nenhum..(interrompeu-a)...seu pai, nesse serpentário, é um dos poucos que se pode tomar um café sem temer coisa alguma. Vejo aqui que você não tem as melhores notas, nem as piores.

- É que...

- Tudo bem... (cortando-a novamente a fala)...gosto assim, nem bitolada, nem displicente. Espero de você apenas agilidade, fibra e disciplina Stella.

- Sim senho...~

- Doutora Stella. Minha idade já não é pouca. (Orientou-a com um sorriso ensaiado)

-Você puxou bem a sua mãe. É uma sorte. Roberto que me perdoe, gente boníssima e ótimo profissional, mas acabamento é triste.

 Recebeu dela uma folha de papel dobrada com orientações marcadas por bolinhas de adesivo coloridas.

- Stella, coloquei essas mesmas bolinhas nos locais onde vai encontrar os itens que estão na lista, essas indicações não vão ficar aqui mais que uma semana. Passado esse tempo espero que você já tenha se familiarizado.

A garota só concorda com a cabeça, percebendo que qualquer tentativa de falar era...

- Dra Getulina, minha grande amiga, irá ser sua referência, olhe, anote e entenda tudo que ela fizer.

Doutora Getulina, advogada há muito aposentada e melhor amiga de Dra Fúlvia faria as vezes de assistente para que observando soubesse como se portar em audiências, varas e reuniões de negócio.  Setentona, fumante e desbocada fez a ponte entre a implacável magistrada e a jovem aprendiz.

- Da doutora só não pegue esse vício horroroso (tirando-lhe o cigarro da boca, dando uma tragada e jogando o resto aceso na lata de coca pela metade) o resto pode fazer igual. (Brincou)

Muito atenta, pegava rápido. Dona Getulina que estava combinada para 10 dias só precisou ficar 7 e ela mesma tirou as bolinhas coloridas de adesivo antes do prazo combinado.

Depois de duas semanas a sincronia já era completa. Stella desempenhava com perfeição as funções necessárias. Porém com as festas de fim de ano se aproximando as demandas ficaram menores. Stella tinha a opção de vir apenas meio período, mas gostava de ajudar a doutora nos afazeres extracurriculares.

De boba não tinha nada, almoçava e tomava cafés nos lugares mais caros da cidade, além de não pagar ainda recebia alguns mimos da patroa.

- Stella vamos, não precisa trazer a pasta nem o computador. Hoje estamos de folga.

Partiram para uma loja de roupas muito chique na área mais nobre da cidade. O ambiente era tão suntuoso que ela se sentia um pouco constrangida embora só estivessem apenas Dra Fúlvia e as funcionárias da loja que só atendia com hora marcada.

 Num dado momento a doutora chama a funcionária da loja que tinha saído do ambiente enquanto estava no provador.

- Doutora, ela saiu.  (Avisou a assistente)

- Traga aqui meu celular por favor.

Ela corre até o provador e estende o braço sem entrar.

- Entra Stella.

De cabeça baixa ela nota que o provador é bem diferente das lojas que conhece, é grande, bem grande, maior que seu quarto inclusive.

- Stella, gosta desse modelo?

- Nossa, bem lindo doutora.

Fúlvia olha-se novamente no espelho cruzando olhares pelo reflexo.

- Vou pôr de novo o vermelho e você me diz qual gosta mais. Depois vamos ver algo pra você.

Stella faz menção de sair, mas foi incentivada a ficar se acomodando no sofazinho que ali se encontrava para isso.

A doutora desce as alças dos ombros e deixa cair o vestido. Abaixando-se para pegar reclama de uma dorzinha nas costas. Stella mantem dissimuladamente o olhar fixo no próprio celular. A peça retirada já no puff ao lado e enquanto passa o outro modelo pela cabeça, Stella aproveita para sondar o corpo da chefa que até então nunca tinha visto em roupas que não fossem formais terninhos de cores sóbrias.  

Achou o corpo bem interessante, bonito, quadril largo, seios para pequenos e costas bem desenhadas. Seguiu medindo com os olhos até que, quando mirou pelo espelho o púbis da doutora teve uma surpresa inusitada.

A patroa ostentava uma mata vultuosa de pelos pretos que escapavam pelo elástico da cintura na calcinha. Notava-se que pelas pernas não desciam, tão pouco nas axilas e as coxas tinham qualquer sinal de pelo, mas o púbis! Era algo que parecia ter saído de um filme antigo. Amalgamados a renda preta em contraste com a pele clara compunham um quadro interessantíssimo à moça.

- Stella?...Stella?

Quando se deu conta estava catatônica, olhando fixamente para aquela imagem tão atípica nos tempos de hoje. Curiosamente mantinha os próprios quase a zero, achava mais prático e bonito, porém se viu completamente extasiada com o estilo da mentora que tinha a essa altura o vestido entalado nos seios por não ter antes aberto o zíper e que a tempos pedia ajuda em vão a moça hipnotizada. Stella pulou do sofá e correu em socorro da patroa. Liberou o zíper e o vestido finalmente chegou a sua posição certa.

- Esse? Ou aquele?

Stella, tomada por um ímpeto inédito faz uma proposta.

- Vamos tirar uma foto com esse e outra com o champagne, assim podemos comparar melhor.

Fúlvia achou aquilo estranho mas concordou e posou para a primeira foto. Despiu-se de novo observando no espelho o comportamento da pupila que claramente disfarçava o olhar. Quando de novo ficou de calcinha e sutiã a garota levou o próprio telefone ao ouvido e fixou olhar como se prestasse atenção no que diziam respondendo com monossílabas.  A doutora não teve pressa em botar a outra peça e ainda se virou de frente para a garota exibindo diretamente a pentelhada negra que outrora a paralisou.

Depois de uma nova foto fizeram a escolha e a Dra ficou mais uma vez seminua diante da assistente que em mais um ímpeto voluntarioso sugeriu-lhe:

- Fúlvia, digo, doutora, porque não fecha já as sandálias, com o vestido fica muito mais difícil.

Dra Fúlvia enquadrou-a com um olhar reflexivo com um leve sorriso que a garota já conhecia. Aquele sorriso de cumplicidade. Acatou a sugestão, até mais que isso e disse:

- Eu pensei nisso Stella, ia até te pedir ajuda com elas depois que me vestisse. Mas as minhas costas...(Levando as mãos a lombar)

A garota adiantou-se e de joelhos com a chefa ainda em trajes de baixo começou a afivelar as sandálias.  Fazia sem pressa o favor com o rosto próximo do púbis da doutora. Aos poucos, despretensiosamente foi pendendo o corpo para frente fingindo distração até quase tocar naqueles pelos. Quando a poucos centímetros hesitou e ficou ali fingindo dificuldades com o fecho até que sentiu a mão de Fúlvia posar-lhe sobre a cabeça, tomou aquilo como um consentimento. Pendeu-se para frente só parando quando a bochecha encostou naquela almofada negra e macia. Ficou ali sentindo o calor e o aroma inebriante o por alguns instantes. Antes de voltar a realidade virou-se de frente sem perder o contato com pele e fez menção de um discreto beijo antes de rir do “suposto acidente” pedindo desculpas com as faces em chamas.   

Durante almoço num restaurante cuja a parte externa dava para a praça estavam muito mais soltas bebendo vinho e conversando.

- Stella?

Fúlvia vê antes quem a chama e teve um emudecimento repentino juntamente com uma mudança de expressão. Era a mãe da garota.

- Elisa! (Cumprimentou a doutora que teve como retribuição não mais que micro movimento de cabeça.)

- Não se atrase para o jantar Stella. (Disse já saindo.)

Enquanto a mãe sumia na praça com passos rápidos estalando nos sapatos de saltos baixo Stella surpresa perguntou:

- Conhece dona Elisabete?

A doutora perdeu-se em algum lugar nos pensamentos e quando voltou retomou a conversa de onde pararam antes da interrupção.

Dias depois, numa noite o celular de Dra Fúlvia acende e vibra avisando sobre a chegada de novas mensagens:

(Vrrrrr/Pling) (Julia): Amor, minha mãe melhorou bem, amanhã embarco cedo, almoçamos juntas? Te amo.(Pling) (Stella): Dra, muito obrigado por tudo, minhas primas estão se matando de inveja por causa do vestido, depois te mando uma foto.

(Pling) (Stella): Acabei de passar em frente à sua casa, esse muro e portão me trazem ótimas recordações!  <3 <3<3

(Pling) (Stella): foto

A célebre mulher, deitada em sua cama, pega no fundo da gaveta do criado mudo uma foto amarelada. Duas garotas recostadas, quase deitadas, felizes em baixo de uma árvore. Parecem hippies, uma claramente é ela e a outra, alguém muito parecida com Stella.O celular e a foto são colocados delicadamente sobre estômago. Ela se perde na própria imagem impressa no espelho do teto. A luz tênue que mansamente invade pela janela o quarto desenha com poucos traços o seu corpo nu na cama. Seus olhos úmidos se fecham para deixar um estranho sorriso passar. O celular que mostrava uma jovem de vestido novo se apaga.

23 Jan 2021

Flora Brava

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