23/01/2021 às 18:08

Claudionor

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Revisão : Estela D.

Pintura especialmente feita para o conto: Fabiano Carriero 

https://carrieroart.wixsite.com/carrieroart/portfolio

Claudionor

Da rua de trás, no alto, inverto a varanda de paisagem:

Vejo os quintais desnudos, vento nos varais.

Bagunça, mofo, mato.

Um velotrol ha muito esquecido esmaecido das suas cores vivas por sol e lua.

Uma parte de algo que eu sei que é parte sem saber o que é o todo se esconde parcialmente debaixo do plástico azul cheio de poças da última chuva.

A tarde cai em silêncio e da porta aberta ninguém sai.

Intimidades urbanas.

Uma Juliana corta as unhas dos pés ouvindo qualquer coisa no celular.

O cachorro surge num ponto, cruza o espaço e some no outro.

Não sei de onde veio nem para onde foi.

Uma velha enxuga a testa com pulso enquanto agua as plantas com a mangueira.

As tetas grandes descansam sobre a barriga parcialmente vistas pela roupa larga nas mangas.

Roupa de ficar em casa, roupa de quintal? Ou não, já vi dessas na calçada, atendendo sem pudor o portão.

O homem negro de lábios grossos sentado no arremedo de escada, parado no tempo exceto pelo cigarro que a fumaça dança.

Ouve muito atento de dentro da casa algo que nem sei se é com ele ou sobre ele. Sei que nem pisca. Como fosse sua empreita, figurar um novo Portinari.

O gato se avisa da criança indiscreta, pelada do meio pra baixo, em curso e aperta o passo para parar um pouco a adiante para nada, fingindo avistar um real perigo eminente.

Um santo sem cabeça, um ferro de antena, vermelho de ferrugem, uma peça de fusca.

Flagro Claudionor, esguio, branco com uma vela, a cabeleira preta emoldurando a cara vermelha curtida de cachaça que me flagra de volta.

Finjo que não o vi e aperto o passo olhando para um falso algo a minha frente.

De canto de olho vejo-o me escoltando com o olhar e saudando com um sorriso cínico.

Toalha enrolada esquecida no pescoço, mãos na cintura projetando o quadril pra frente.

A pau branco com a cabeça igualmente vermelha perdido na pelagem longa, densa e negra.

A rua acaba, atravesso para a outra calçada. Ali nunca mais passo, intimidade demais.

Urbanidades desnudas para voyers não tão casuais.


23 Jan 2021

Claudionor

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