20/07/2022 às 22:29

Os corredores poloneses da miséria. 

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A bandeira foi a seguinte: Depois da feira no Varejão de luxo vem o costumeiro acervo da Pinacoteca. Estátuas tão magnificas pra mim. Tem uma grandona lá que toda vez que vou batemos um bom papo. Cerveja que é 10 na vida real lá você paga 20, um croquete que só a pimentinha dita tabasco salva e vida que segue.

O Mirs tinha informações de uma outra exposição na Estação Pinacoteca. Faríamos a travesseia a pé, passando pela estação da luz pra lá chegar. Antes da gente estacionar eu já tinha revisto a confirmação da miséria que se impõe. "palafitas trapiches farrapos" pra todo lado. Três passos do portão pra fora e já colou uma senhora treinadassa no discurso com uma fratura calcificada no antebraço que já me levou 2 conto. A polícia logo ali e logo aqui gente com pouquíssima razão pra respeitar qualquer autoridade conveniente aos que gozam de algum conforto.

Na Luz tem um café requintado com vistas ao grande parque que serve de quintal ao pavilhão de artes. Mas você tem que abstrair um pouco porque nas duas ruas entre, a miséria fervilha com guardadores de carro incisivos (se não for não ganha), campistas de calçada e gente atenta e ocupada que transita acostumada. Gente que entrega um celular e outros pertences mais de uma vez no ano por meio de violência e nem chora mais.

Na Estação, na ponte, trens esperando pessoas e pessoas esperando trens. Policias pra todo lado e do outro lado mais miséria. Ainda mais grave. Travestis de pouco investimento, botecos surreais e "hoteis" relativamente bem pintados. No primeiro andar portas enormes que sabe-se lá o que fazem lá dentro. Avançamos, eu interpretando o "acostumado", tentando me concentrar na compreensão do que meus amigos dizem mas na mais angustiante apneia mental. Cachimbeiros perfilados na calçada iniciam uma debandada, a viatura "despastoreia" esse povo todo. Algo como o mercúrio de um termômetro quebrado que alguém tenta juntar. Gente de todo tipo, toda idade, sobrevivendo para o vício. A banca de jornal abandonada. Merda dos dois lados. A banca entre as "aspas" de merda.

Lembrei-me de uma entrevista de Tom Zé em que ele explicava que na sua terra no seu tempo de jovem era o costume dar a mão "mole" aos mais velhos em sinal de respeito e submissão. O contrário era visto como uma agressão. Pensei que nossa mera passagem por ali, limpos, altivos e determinados poderia ser para eles uma agressão. "Índio, mulato, preto, branco. Miséria miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes."

Como ousam passar aqui tão bem apessoados e dignos? Tão descomprometidos com as agruras dos vícios. Tão bem resolvidos. Agindo como se fossemos nós invisíveis, e nossa miséria humana obscena não fosse constrangedora.

Passamos, entramos, vira de novo a chave. Lugar limpo, seguranças bem apessoados e bem vestidos. Mulheres educadas e prestativas. "Vocês agendaram? Não! Sem problemas é só subir. Quarto Andar." Ninguém, só os meninos monitores. Bonitos e entediados.


O artista então fala do açúcar, fala muito do dendê, tem dendê demais. E você tem que tomar cuidado, porque dendê não é pra quem não está acostumado. Pipoca, pérola, gente preta lindíssima performando entidade. Tem brasa no ferro e no couro fazendo fumaça. Em vídeo ainda bem. O cheiro era no que eu mais pensava.

As religações em luta. Jesuses em como lápides cravados no que eu acho que era dendê solidificado. Igreja besuntada. A menina monitora me olha com a máquina, finge não olhar. O Mirs explica aqui e ali as coisas dos pretos com seus deuses.

Desço e tem outra exposição que fala da luta dos negros e negras, recortes e cartazes. Acho lá umas janelas faltando uns tecos do insufilme que nos separa da praça em frente. Um senhor sentado descansa. Atrás dele um parquinho pra criança sem crianças enfeitado de lixo. Outros "nóias" puxam um carrinho e debatem com uns que lá estavam. Fotografo, do alto da minha fortaleza, no local que tenho acesso fácil por estar aparentemente limpo, por ser razoavelmente branco. Mesmo sem ter agendado. Vejo pessoas comuns passando em meio aquela batalha. Uma senhorinha, pequena frágil. Eu passei engolindo seco mesmo sendo um elefante em sua plenitude. Ela passa entre as feras tocando a vida, com muito mais coragem do que eu.

Uma monitora mandada por outro menino lá perguntou se eu tinha fotografado alguém dentro do museu. "O senhor sabe né, tem a coisa do direito de imagem."

Disse que não.

20 Jul 2022

Os corredores poloneses da miséria. 

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“Ayrson Heráclito: Yorùbáiano” estação da luz estação pinacoteca Pinacoteca Yorùbáiano

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